sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

APPLE E FOXCONN, OS SENHORES DE ENGENHO DO SÉCULO XXI


Apple e Foxconn: entre o século 21 e os canaviais
Relação da Apple com a Foxconn lembra regimes de trabalho de séculos passados

Wharrysson Lacerda

Indentured workers. A expressão em inglês meio ultrapassado é usada para designar trabalhadores temporários. Ela é particularmente usada para descrever um período sombrio do qual pouco se fala. Pouco depois da abolição da escravidão em todos os cantos do planeta (nunca é demais lembrar que o Brasil foi o último), o império britânico e outras potências europeias da época encontraram nos "indentured workers" a mão de obra necessária para fazer girar a economia açucareira do século 19. Esses trabalhadores provinham principalmente da Índia e de países do sudeste asiático, e se espalharam pelo globo. O número foi tão grande de descolamentos que sua presença influenciou a formação de comunidades no Havaí e até no Japão, especialmente na ilha de Okinawa.

Os "indentured workers" ganhavam salários miseráveis e tinham condições de trabalho que pouco se diferenciavam dos sofrimentos impingidos aos escravos a que eles substituíram. Mas eles eram indispensáveis a uma economia movida a açúcar. O produto tinha tal peso que os holandeses chegaram a dar mais importância à manutenção do Suriname como parte de seus domínios do que lutar para manter a ilha de Manhattan sob seu controle. Nova York não produzia cana-de-açúcar, o Suriname, sim.

O que parecia um episódio grotesco de exploração de força de trabalho relegado aos livros de história, ganha contornos modernos agora, no século 21. Conforme mostram reportagens da CNN e da ABC, os trabalhadores da Foxconn são os "indentured workers" dos nossos dias. E a Apple, a mais valiosa empresa do mundo, faz as vezes de império britânico, ao construir seus lucros extraordinários a partir dessa relação. Outras grandes empresas de tecnologia também usam os serviços da Foxconn. Porém, a Apple é quem mais chama a atenção justamente por ser a maior e mais reluzente representante dessa nossa modernidade. Chama a atenção também o processo de produção de alguns dos artefatos mais desejados do momento, como iPads e iPhones: segundo a reportagem da ABC, dá para dizer que eles são feitos quase manualmente, o que submete os operários a um regime de trabalho composto por horas intermináveis e movimentos insanamente repetitivos.

A exemplo dos "indentured workers" e dos escravos anteriores a eles, não são raros os casos de suicídio nas instalações da Foxconn. Os primeiros se enforcavam ou morriam de variadas causas nos canaviais. Os segundos, pereciam nas senzalas ou sob os açoites. Os últimos saltam de andares altos. Os "indentured workers" e os escravos somente se viram libertos de seus jugos quando o mercado mundou. O problema para os trabalhadores da Foxconn é que este atual mercado está apenas nascendo.

Para quem não está tão por dentro do assunto, vale conferir o vídeo da ABC e nossa reportagem a respeito, clicando aqui.

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