quarta-feira, 24 de agosto de 2011

PADEIROS AMBULANTES


Pães chegam de bicicleta aos clientes

Everson Garcia
Vinícius Souto



Acordar às 4h, ajeitar a bicicleta e pedalar mais de 18 quilômetros toda manhã pelas ruas do Grande ABC. Essa é a rotina atlética de Cosmos Francisco Soares, 38. A atividade garante não só sua saúde física, mas seu sustento. Soares, conhecido como Mineiro, é um dos padeiros ambulantes que compram pães em padarias de Diadema e os revendem em São Bernardo.
A clientela é farta. Por dia, Mineiro diz vender mais de 700 pães. No trajeto, são muitas paradas: construções, floriculturas, bares, escritórios, escolas, consultórios e casas. É só buzinar e, em pouco tempo, a bicicleta está rodeada de consumidores. "Tenho uma freguesia formada. E está sempre aumentando. É fundamental estar pontualmente nos mesmos lugares, faça chuva ou faça sol."
A qualidade dos pães e o preço agradam ao vigia Célio Martins, um dos clientes de Mineiro. "Os produtos são benfeitos e baratos. Uma rosquinha, que na padaria custa R$ 2, ele vende por R$ 1." A razão é simples. Os padeiros ambulantes compram em grande quantidade, reduzindo o preço do produto. Para Ângela Dias, moradorado centro de São Bernardo, o melhor é a facilidade. "Faz três anos que eu não preciso ir à padaria de manhã."
Mineiro começou a entregar pães sobre duas rodas neste ano. Pegou o ponto de um amigo e está esperançoso. "No início, achei que não ia dar certo. Mas valia a pena para não ficar desempregado. Pretendo continuar."
Assim como Mineiro, Fagner Fernandes do Nascimento também vê mais vantagens na venda de pães a domicílio do que num emprego formal. Ele já trabalhou em várias fábricas do ABC como soldador. Deixou de lado a profissão para ganhar a vida com a bicicleta. "Era mais tranquilo quando tinha registro em carteira. Mas prefiro trabalhar por conta, pois sei que, no final do mês, salário e emprego só dependem de mim."
Em Santo André, Jair Gomes vende pães há dez anos pelas ruas. Segundo ele, o segredo para permanecer no mercado é a boa administração. "Tem que ter cabeça. Quem não tem juízo não consegue se manter, porque, quando começa a ganhar dinheiro, gasta tudo. Daí, se um dia não vender bem, no outro não tem como comprar os pães."
Gomes está levando sua filosofia de trabalho a sério. Com objetivo de ampliar seus negócios, o padeiro ambulante comprou uma moto em fevereiro. "Agora, consigo ir e voltar várias vezes e, assim, atender a mais bairros."
Em Santo André, os vendedores resolveram se organizar numa espécie de associação, como forma de delimitar a área de atuação. Nascimento conta que o que vale é o respeito. "Não tem nada regulamentado. Atualmente, somos em 11. Cada um tem o seu setor e não pode invadir o território do outro."
A união do grupo ajudou também na escolha do fornecedor. Juntos, compram mais de 8.000 pães por dia. Dessa forma, conseguem melhor preço com Genildo Santos Araújo, dono de uma pequena fábrica de pães na Vila Sapopemba, em São Paulo.
Araújo é fabricante de biscoitos. Há quatro meses adaptou o maquinário e contratou quatro padeiros para fornecer pães para os ambulantes. "Procuro ser caprichoso. Os vendedores são organizados e exigentes. Se o pão não estiver legal ou com um bom preço, todos mudam de fornecedor."
Atividade não é regulamentada
A Vigilância Sanitária de São Bernardo informa que não é responsável pelo comércio ambulante de pães pelas ruas da cidade. Além disso, segundo o órgão, quaisquer padarias ou fábricas de pães são liberadas somente após vistoria e são fiscalizadas aleatoriamente ou quando acontece uma denúncia.
Enquanto essa atividade não é regulamentada ou fiscalizada, os ambulantes dizem tomar precauções para vender os pães. Dizem que, para manter a freguesia, é preciso se preocupar com a aparência e a limpeza. "Todo dia lavo a bicicleta e troco os plásticos dos cestos, pois se o pneu estiver com barro, vira motivo para o cliente desconfiar da higiene do pão", afirma o vendedor de pães Fagner Fernandes do Nascimento.
Cosmos Francisco Soares não vê diferença entre vender pão na rua ou em um estabelecimento comercial. "Se alguém chega a um bar ou padaria e vê um ambiente imundo, não compra. Do mesmo jeito, o cliente olha a bicicleta toda suja e descuidada e fica com medo de levar os pãezinhos."
Sobre a poluição da fumaça dos automóveis, o vendedor usa um método simples. "Sempre levo os pães protegidos por plásticos. Só ergo para pegá-los e logo fecho", explica.
Apesar da popularização dessa atividade, há consumidores que evitam a compra. A dona de casa Marlene Yaginuna, que mora no Rudge Ramos, declara que não compra pães na rua porque desconhece a procedência. "Alimentação é coisa séria. Se não sei de onde vem, não compro." Marlene não está sozinha. Sua vizinha de bairro, a aposentada Aparecida de Carvalho Mota, também não arrisca. "Sinto-me mais segura comendo o pão da padaria, que fica a dois quarteirões de minha casa."
A auxiliar administrativa Elaine Cristina Soares, consumidora dos pães vendidos de porta em porta, diz que só compra porque confia nos vendedores, e que essa relação se dá de forma gradual. "No início, só via o pessoal do escritório comer. Depois, arrisquei e comprei uma rosquinha. Hoje, compro três, quatro. Confio porque ele está aqui todos os dias."
O ambulante de pães Jair Gomes afirma que nunca teve problemas com os clientes. Ele entende que a responsabilidade de conferir o ambiente da fabricação dos pães deve ser do vendedor. "Observo se o fornecedor mantém a higiene na fabricação. Se alguém passar mal comendo o meu pão, a notícia se espalha rápido e eu perco minha freguesia."
Moradores sentem falta da comodidade de porta em porta
"Eu sempre via ele passando pela rua do Sacramento (no Rudge Ramos). Daqui de casa dava para escutar a buzina, mas faz tempo que não o vejo mais", diz Ângelo Bitolo, morador da rua Filomena Bitolo. "Ele estacionava a bicicleta na esquina. Sempre tinha um ou outro que comprava. Já faz uns três meses que não passa mais," conta Wiliam Lira, frentista de um dos postos de combustíveis da avenida Dr. Rudge Ramos. Ninguém sabe o que aconteceu com o vendedor de pães do bairro.
Conceição Martins sente a falta da comodidade de comprar o pão na porta da sua casa. "Tenho 63 anos. Para a gente que é idosa, é sempre bom ter esses vendedores." A moradora da rua Vitória Régia se lembra com água na boca de como eram os pãezinhos. "Sempre fresquinhos, bons, muito gostosos. Mas o menino não passou mais."
Mesmo tendo contato com ele todos os dias, os fregueses conheciam pouco sobre o vendedor. "Todo mundo da construção comprava. Chamávamos ele simplesmente de padeiro", afirma o pedreiro Lorival José Correa.
Segundo os vendedores, o motivo para o sumiço do padeiro sobre duas rodas do Rudge Ramos foi que a venda não compensava o esforço. "Não sei quem fazia essa região, mas eu não trabalharia lá, pois o bairro é muito distante do fornecedor e tem muita padaria em torno da avenida Rudge Ramos", diz o vendedor Jair Gomes.



http://www.dgabc.com.br/News/5771737/paes-chegam-de-bicicleta-aos-clientes.aspx

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