segunda-feira, 7 de março de 2011

NÃO É NO BRASIL! FRANÇA PROCESSA EX-CHEFE DE ESTADO

É a primeira vez que um ex-chefe de Estado francês está diante da justiça
Jacques Chirac em tribunal por contratação de "funcionários fantasmas"

06.03.2011 - 14:03 Por João Manuel Rocha



Processo mancha imagem do ex-Presidente, que depois de ter deixado o cargo viu subir níveis de popularidade. É hoje a personalidade política preferida dos franceses

Generoso para os partidários, político sem visão para os adversários Generoso para os partidários, político sem visão para os adversários (Regis Duvignau/Reuters)

A discrição a que Jacques Chirac se remeteu desde que, em 2007, deixou o Palácio do Eliseu é, a partir desta segunda-feira, quebrada: o ex-Presidente francês começa a ser julgado da acusação de ter contratado colaboradores com a exclusiva missão de trabalharem para o partido que liderava e prepararem a sua eleição. Os factos dizem respeito ao tempo em que dirigiu o município de Paris. É a primeira vez que um antigo chefe de Estado da França é levado a tribunal.

O dia de amanhã é dedicado a questões processuais e, salvo alguma alteração de última hora, só na terça-feira o ex-Presidente começa a ser ouvido. Chirac é suspeito de, no início dos anos 1990, ter contratado "funcionários fantasmas", que não prestaram qualquer serviço à câmara e trabalharam essencialmente para o RPR e na preparação da sua campanha eleitoral de 1995. O RPR é o partido que dirigiu de 1976 a 1994, antecessor da UMP, do actual Presidente, Nicolas Sarkozy.

Jacques Chirac, de 78 anos, "incorre em teoria", expressão empregue pela agência AFP, numa pena de dez anos de prisão e 150 mil euros de multa, bem como em cinco anos de irradiação de listas eleitorais e dez anos de inelegibilidade. O facto de o município de Paris ter renunciado a constituir-se como parte do processo, na sequência de um acordo de indemnização, deixa o essencial da acusação a cargo da Anticor, uma associação de luta contra a corrupção que se constituiu como parte civil.

O julgamento é uma mancha na carreira política de Jacques Chirac, uma figura paradoxal, que subiu todos os degraus do poder e teve um papel central na direita francesa durante quase quatro décadas. Presidente da Câmara de Paris entre 1977 e 1995, fez do município a sua base para conquistar o poder central e chegou à Presidência da República em 1995, à terceira tentativa, depois de derrotas em 1981 e 1988 para o socialista François Mitterrand.

O caso que vai a julgamento resulta da junção de dois processos - um pela alegada contratação de sete "funcionários fantasmas", membros do RPR, o outro pelo recrutamento de 21 colaboradores sem "qualquer função" atribuída. Chirac defende que todos os contratados eram "úteis à cidade de Paris".

No primeiro dos processos, instruído em Nanterre, arredores de Paris, houve condenações em 2004, quando Chirac estava ainda protegido pela imunidade presidencial. Alain Juppé, ex-primeiro-ministro e desde a semana passada ministro dos Negócios Estrangeiros, foi um dos condenados, com 18 meses de prisão com pena suspensa. Era, à época dos factos, secretário-geral do RPR e adjunto para as finanças no município parisiense.

Popularidade elevada

Retirado, com sinais de saúde débil - a mulher desmentiu recentemente que sofresse de Alzheimer - Jacques Chirac tornou-se, segundo os media parisienses, a personalidade política favorita dos franceses. Num estudo recente recolhia 73 por cento de opiniões positivas.

A linha política deste líder político, que no tempo da revolta estudantil de 1968 era já secretário de Estado, e veio a ser também ministro e primeiro-ministro, "mudou muito" ao longo dos anos, observou Hervé Rouach, da AFP. "Em jovem, esteve brevemente comprometido à esquerda, antes de abraçar os ideais do gaulismo. Ao longo dos anos, foi alternadamente liberal e dirigista, eurocéptico e pró-europeu, por vezes à direita da direita, por vezes muralha contra os extremismos." Os partidários consideram-no, segundo o mesmo jornalista, caloroso e generoso. Os adversários alguém sem visão, "mais capaz de conquistar o poder do que de o exercer".

Dois antigos directores de gabinete de Chirac no município de Paris e sete outras pessoas acusadas de terem tido empregos fictícios ou beneficiado dos serviços de colaboradores pagos pela autarquia vão também a tribunal.

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